Os sons da Alma e a
sociedade ouvinte (Final)
Paiva Netto
Prossigo com trechos da entrevista concedida pelos atores Sueli Ramalho
e Rimar Segala, irmãos surdos de nascença, ao programa “Sociedade Solidária”,
da Boa Vontade TV (canal 20 da SKY).
Cônscios do valor da arte no processo de incluir socialmente os que não
possuem a audição, em especial crianças, Sueli e Rimar montaram a peça “A
Orelha”. Comenta Sueli: “Começamos a dar
aulas de Libras [Língua Brasileira de Sinais] aos pais das crianças e, ao mesmo
tempo, a ensiná-los a apresentar uma peça de teatro para os filhos. A peça
mostra, através do humor, a realidade da cultura surda e como você pode abordar
um surdo. A língua de sinais me ajudou a falar. Não proíbam o uso das mãos. É o
nosso recurso, nossa visão”.
LIBRAS
Em 24 de abril de 2002, tivemos a promulgação da Lei 10.436, que
oficializou a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Entretanto, equivocam-se os
que a consideram uma tradução [por gestos] da língua portuguesa. Ela tem
estrutura e gramática próprias. Rimar Segala explica: “O português é uma língua
oral, a Libras é visual [gestos, expressão corporal e facial] (...)”.
O que poucos sabem é que os surdos também têm sotaques diversos:
“Citemos, como exemplo, o gesto para significar ‘mamãe’. Existe uma série de
sinais linguísticos para essa palavra”. E para demonstrar a riqueza da Libras,
apresentou diferentes formas de dizer “boa tarde” nos Estados do país.
REALIDADE BRASILEIRA
Analisando a realidade de muitas famílias, Rimar assinala: “Todas as
mulheres quando engravidam sonham ter um filho saudável, lindo. Quando nasce
com problema de surdez, elas levam um susto pela diferença e, então, bate o
desespero. Sem preparo, tratam a criança surda no modelo da ouvinte. Não
percebem que esse diferencial é simplesmente outra cultura. Esse programa está
sendo muito importante ao passar informações para todas as mães que estão nos
assistindo. Se vocês tiverem um filho surdo, por favor, procurem aprender a
língua de sinais, entender todas as culturas. Respeitar essa grande diferença é
um extraordinário investimento para o futuro do surdo, para unir a família”.
Outro ponto de relevância é a inserção no mercado de trabalho. “Será que
surdo pode trabalhar? Qual o cargo certo? Posso deixar o telefone na mesa? O
desconhecimento é muito grande. A peça ‘Palhaços no RH’, que criamos, mostra
qual é o parâmetro que podemos utilizar numa empresa que tem uma pessoa com
deficiência auditiva”, acrescenta Rimar.
Breve abordarei aqui a dificuldade do acesso das crianças com
deficiências às escolas comuns.
Continuando, os dois irmãos atores trazem, ainda, dicas de bom convívio:
“O surdo é visual. Não adianta nem gritar, caso não esteja na visão dele. Se
houver um interruptor por perto, acender e apagar as luzes faz parte da cultura
surda”, explica Sueli. “Ou então chegue perto do surdo e chame-o. Também é
importante que todos os funcionários possam conhecer pelo menos o básico da
Libras. ‘Oi, tudo bem?’ é um cumprimento que nos faz sentir inseridos na
sociedade”, completa Rimar.
Por fim, o ator Rimar Segala revelou coincidência envolvendo a estampa
de Jesus, o Cristo Ecumênico, bastante difundida pela LBV. “Desde pequeno
sempre via na televisão um símbolo muito importante, a imagem de Jesus Cristo.
Hoje vi a mesma imagem aqui. Quero agradecer à LBV, porque é fundamental para
todo o Brasil pensar em inclusão. Estou muito agradecido. Parabéns!”.
Grato a vocês por compartilhar tanta perseverança e coragem. Uma
experiência de vida que inspirará muita gente. Para outras informações, acesse www.ciartesilencio.com.
O assunto vem despertando interesse entre os leitores, a exemplo de
Haroldo Rocha (Porto/Portugal), Marcos Antônio Franchi e Mário Augusto Brandão
(Glorinha e Gravataí/RS, respectivamente) e Regina Santos (São Paulo/SP). Minha
saudação a todos.
José de Paiva Netto, jornalista,
radialista e escritor.