Quem tem ideal não envelhece
Paiva Netto
Achei,
nos meus alfarrábios, texto que publiquei, em 3 de maio de 1987, na Folha de S. Paulo, dedicado à Melhor
Idade:
Na
Religião de Deus, do Cristo e do Espírito Santo procuramos sempre aliar a
energia dadivosa dos mais novos ao patrimônio da experiência dos mais idosos. E
isto se consegue pela influência do Amor Fraterno, que não é velho nem novo; é
eterno porque é Deus. O Pai
Celestial é Amor, consoante definiu João,
em sua Primeira Epístola, 4:8. E completava Zarur: “E nada existe fora
desse Amor”. Por isso, quem tem ideal não envelhece. O corpo pode baquear.
Mas o Espírito está sempre alerta. Jovem é aquele que mantém o Ideal no Bem.
Que
é novo, que é o antigo, afinal? Nada! Immanuel
Kant (1724-1804), o grande filósofo alemão, autor de Crítica da Razão Pura, afirmava, mutatis mutandis, que o tempo é a grande mentira dos homens.
Portanto, acima de tempo-espaço e seus limites. Real é a Vida, que é eterna.
Sidónio Muralha, poeta português que se radicou no Brasil, onde viveu até o
seu falecimento em 1982, louvou essa eternidade do valor intemporal no seu
belíssimo “Cântico à Velhice”: “(...) É
este o cântico/ Dedicado ao que chamam/de velhice/ que é a infância/ lançada
mais longe,/ onde o horizonte/ se rasga e alarga (...)”.
A
composição poética, a recebemos de Dona Helen
Anne Butler Muralha, esposa do saudoso poeta, que gentilmente também nos
cedeu a foto do casal. Vamos, então, ao esforço bem-sucedido de Muralha, por
desmistificar o tempo, esse fantasma que atormenta o ente humano-ser-restrito,
até que um dia ele perceba que, na verdade, é Espírito Eterno, pairando acima
de todos os grilhões da carne perecível.
“Cântico à Velhice”
“Minha velha Portuguesa/ com o teu
rosto marcado,/ mas sem medo da vida/ (e ainda menos da morte),/ atira o teu
cajado contra o tempo/ que passa e não tem presente,/ porque na segunda sílaba
do presente/ já passou a ser passado.
“Atira teu cajado, companheira,/
contra esse tempo efémero/ que não consegue apagar-nos.
“Nós corremos no sangue/ das novas
gerações/ e os velhos são as crianças/ do futuro, /as primaveras que vieram dos
invernos,/ as flores que rebentam,/ que explodem da terra,/ como tu,/ minha
querida portuguesa,/ que em cada ruga que tens/ existe um poema escrito/ tão
grande e tão profundo/ que é um cântico à velhice.
“Sim, um cântico sem fronteiras,/
porque os velhos/ têm asas imensas/ que voam no sentido contrário,/ desafiando
o espaço/ como quem roça o mar,/ mergulha para sempre/ mas deixa, perto do
sol,/ uma mensagem salgada.
“Velha portuguesa/ feita de oceano/
como todos nós,/ que somos navios,/ barcos, canoas,/ remos e lemos,/ quilhas,/
algas e maresia,/ mastros de audácia/ que derrotam tempestades,/ caravelas,
descobertas,/ velha portuguesa/ descobre que o tempo/ tem medo do teu cajado/ e
desanca as horas,/ e desaba as horas,/ e desaba os relógios/ que são
acidentes/indecentemente formais.
“É este o cântico/ dedicado ao que
chamam/ de velhice/ que é a infância/ lançada mais longe,/ onde o horizonte/se
rasga e alarga.
“Não esqueças, portuguesa amiga,/ de
vergastares o tempo/com o teu cajado.”
José de Paiva
Netto, jornalista, radialista e escritor.
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