Muro de Gerês
Paiva Netto
Estive várias vezes em Portugal, por
força de minhas funções. País lindo, de gente acolhedora. Terra da nostálgica Amália Rodrigues (1920-1999), que Foi Deus quem levou, faz pouco tempo.
Sempre gostei de ouvi-la cantando esse fado, ao som de guitarras afinadíssimas
e chorosas. Por sinal, contam que não queria gravá-lo. Entretanto,
reconsiderou, e seu sucesso foi imenso. Sorte para Amália! Isso me lembra outra
história, a de que alguns artistas famosos de Hollywood se negaram a
interpretar o papel principal de nada mais nada menos que Casablanca. Sorte para Humphrey
Bogart!
Certa vez, a caminho de Braga,
deliciando-me com a paisagem da Serra do Gerês, pude observar a sequência de
muros de pedra, o que é comum na região. Uns eram pomposos, outros mais
singelos. Até que surgiu aquele, gracioso, bem na curva, mas que, de tão
pequeno, quase não podia ser visto. Estava lá, contudo, firme, cumprindo a sua
função de não permitir que, num estreito espaço não preenchido, alguém
distraidamente, talvez mesmo uma criança ou um idoso, caísse no precipício
profundo. E quis, então, prestar-lhe uma homenagem, como a uma pessoa humilde,
desconhecida na sua modéstia, que nem por isso deixa de, por Amor, cumprir o
seu dever.
A um Muro Antigo
Na estrada de Gerês/para Braga,/existem
muitos muros velhos.../Mas há um/antigo,/especialmente antigo, /bem na curva,
/que à alma afaga... /Antigo como o Amor/e como as dores... /Tão pequeno... /mas
nos faz sorrir/aos favores/de nos abrir, /à alma triste, /um prazer amplo, /de
descobrir, /no seio do campo, /a beleza divinal das flores. /Enquanto outros/—
grandes!... — /não têm a expressão/com que, /na sua pequenez, /fala ao coração.
/Sim; /porque, se este/não é o maior dos órgãos/do corpo, /tudo sente/e tudo
vê, /porque tudo vê/e tudo sente... /Eis seu escopo. /Oh! Muro pequeno,
/pequeno Muro, /tão carregado de Vida! /Vida! /Vida! /como a hera/que cobre os
teus lados, /feitos de pedra amolecida/e humanizada pelos anos, /muitos anos...
/Ah! Muro antigo! /de pedra antiga... /A quantas histórias assististe!... /E do
muito que ouviste, /conta-me um pouco. /E tas escutarei, /não de ouvido mouco,
/de tantos viajantes, /que por aqui passam, /e não te veem... /Pois loucos
laços/lhes turbam a mente... /E que oportunidade/perdem, /pois não te sentem/o
canto dos séculos/acerantes. /Sim, porque a roda/roda... /E o que foi, /retorna
adiante... /E, talvez, /Muro antigo, /antigo Muro, /os que são cegos/para não ver-te,
/e surdos/para não ouvir-te, /tenham aprendido, /finalmente, /que, /para
escutar/o lamento ou o cantar/da própria pedra, /é tão preciso, /morta a regra,
/amar todos os amores/do Amor Divino...
Qual o recado do pequenino Muro de Gerês?
Este: em que é menor que um rei aquele que não foge à sua
responsabilidade? Merece de todos nós o apoio e a distinção por persistir, com
a sua honra, em viver a sua dignidade. A elite de um país é o seu povo.
José de Paiva Netto, jornalista,
radialista e escritor.
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